Quando cheguei na sala, em meu primeiro dia com eles, a professora que foi apresentar-me, disse logo de cara: Aquele ali, não tem jeito não. É levado, malcriado, brigão. Tem que ficar de mãos dadas com você na hora o recreio, porque arruma logo confusão. Não deixe ele sair de perto de você por nada.
Eu, de cara séria, olhava de vez em quando para ele e sentia a humilhação que a criança estava passando. Não dei uma palavra sobre o assunto e comecei a minha conversa com a turma.
Logo ele levantou e veio pedir para ir ao banheiro. Claro que deixei. E se ele quisesse chorar como eu ia querer, diante de tantas coisas ruins ditas. Ou ele podia querer respirar lá fora, ver o verde das árvores, sei lá. Só sei que nunca neguei o direito deles irem a hora que pedissem. A diretora tinha vontade de estrangular meu pescoço, mas nem ligava.
Aos poucos fui começando a procurar enxergar o ser humano e sempre questionando se daria tempo para que eu fizesse algo por ele. Duas vezes por semana ou até três, mandava sair para o recreio de dois em dois, só para que ele ficasse por último e então eu o chamava para perto de mim, abaixava na sua altura e carinhosamente falava com ele: Querido, vai pro recreio e mostra para todos da escola que você não precisa ficar igual neném de mãos dadas comigo, porque você sabe brincar e tomar conta dos menores. Eu confio em você porque você é meu príncipe.
Ele nunca ficou sem recreio e nunca fiquei tomando conta dele. O povo da escola dizia que eu botava maracujina para ele beber. O pessoal sabia do grande carinho que sentia por ele e nunca conseguiram dar uma bronca nele, porque sempre que aprontava ele mesmo chegava perto e falava assim: Tia, aconteceu isso e quem começou foi seu príncipe.
Só podia falar para ele, peça desculpas pro amigo e vá brincar. Porque meu acordo com eles era que sempre teriam que falar a verdade porque eu não poderia zangar. Mas se falassem mentira e eu descobrisse, a zanga seria enorme.
Sempre que ele falava que não era o culpado, deixava apassar e ia procurar saber por outras pessoas e sempre o que ele havia dito era a verdade.
Um dia ele teve um ataque de raiva, contra o colega da sala. Segurei-o pelo ombro e fiz com que sentasse. Pedi a ele que respirasse fundo até a raiva passar, isso tudo sem saber se daria certo. E deu certo. Desse dia em diante, sempre que ele pensava em começar uma confusão, eu só falava assim: Matheus, está precisando praticar a respiração para não piorar. Tadinho, ele respirava fundo diversas vezes e dizia depois, Tia já estou bem melhor.
Sempre que tinha oportunidade, ficava abraçada com ele, acariciando as costas dele e falando bem baixinho o quanto ele era importante para mim. Tudo isso, foi criando um elo enorme entre nós.
Resolvi pesquisar a vida dele. Chorei diversas vezes com tudo que vinha de informação. Ele tinha que ser violento mesmo, porque sofria demais. Ouviu diversas vezes a mãe dizer que ele devia era morrer. Isso quando ele estava no auge de uma crise de bronquite e ela não conseguia dormir.
Colocou o menino para dormir na casa da madrasta dela, onde ele não podia abrir armário, geladeira. O prato dele nunca via uma carne, um ovo. Nada disso. O irmão mais novo, tinha pai. Ele nunca soube quem era o pai dele.
O pai do irmão, ia à escola buscar o filho de carro, de vez em quando. Ele ia de ônibus, para o mesmo endereço. O irmão ia agasalhado. Ele de chinelo de dedo e camiseta.
Fiquei com esta turma três anos, graças a Deus pude levar o aluno até o 5º ano.
Nesses três anos, ele nunca ficou sem recreio. E quando ele se despediu de mim, meu pensamento foi que tinha certeza que havia feito algo por aquela criança. E se eu tivesse pensado que era mais um e que não iria valer a pena qqer esforço? Graças a Deus, tudo que fiz, valeu e muito. Me bateu uma saudade dele agora.......
Então, olhe para dentro da criança e enxergue o ser humano. Pensa que esse aluno, foi Deus quem colocou na sua vida, para saber se vocE é capaz de lidar com o diferente.
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